Sobre a Morte e os Papéis Higiênicos - Antônio Prata

Gente, eu achei esse texto numa dessas revistas Atrevida da vida e ele é MUITO BOM. Esse é o único texto do Antônio Prata que eu já vi, e adorei(eu só não sei em qual marcador eu coloco isso...).
" Outro dia percebi, profundamente decepcionado com minha própria estupidez, que tinha uma certa vergonha de comprar papel higiênico.Nada grave.Eu compro, claro, mas não sem um pequeno incômodo.Me achei ridìculo.Pensei:Antônio, uma pessoa da sua idade, um homem feito, preocupado com esse tipo de bobagem? Todo mundo compra, vai ao banheiro, usa papel higiênico, ué? Qual é o problema então, seu Antônio?Não sei. Percebi meu ridículo pudor ao pensar, passando de carrinho vazio ao lado das pirâmides de Neves, Camélias e Personals: deixa, no fim eu volto e pego.Por que na volta?Porque não quero levar papéis higiênicos para passear.Não quero que as pessoas me olhem e pensem: lá vai um homem com seu estoque semanal de papéis higiênicos.Quando o carrinho já está cheio, o pacote se mistura ao resto das compras e, ao me ver, vão ver apenas um homem com as compras da semana. Também notei, enquanto refletia sobre meus pudores pelo supermercado, que nunca comprei aqueles pacotões de 8 ou 16 rolos.Acabo levando o de 4, com a desculpa (para mim mesmo) de que o grandão não cabe na sacola e é difícil de carregar.Mentira!É que na hora de passar as coisas no caixa, o pacotão de 8 (ou 16) me traz mesmo pequeno desconforto que os papéishigiênicos solitários no carrinho.Uma menina bonita na fila te olha, na fila do supermercado, no ponto de ônibus ou na Feira do Morango de indaiatuba, a imagem que gostaria que ela tivesse de mim não é, exatamente, sentado na privada.(Por mais natural, claro, que seja o ato humano de sentar-se na privada.)Com o pacote pequeno a coisa muda. A menina bonita olha e vê sucos, pão, granola, sabão em pó, slada, azeite, o gel rosa de matar formigas, carne e, no meio de tudo, normal, assim, que é que tem?Quatro rolinhos de papel higiênico. Outro dia li num livro que o nosso nojo de xixi e cocô é apenas uma das faces do nosso medo da morte.O que sai de nós é o que já morreu, se deteriorou, chegou ao ultimo estágio. 'Do pó vistes e ao pó voltarás', não é assim que diz Deus ao Homem?Pois, então, encontrei uma desculpa: sou muito apegado à vida, não gosto de pensar na morte e qual o problema? No fim das compras eu pego os rolos:4, nenhum a mais."